Homem chorando
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Quem, como eu, nasceu por volta dos anos 30,40,50 e até a década de 70, creio, conhece alguma coisa da farmácia popular ensinada por nossos tataravós aos nossos bisavós, destes para nossos avós, daí para nossos país então para nós, seus filhos.

Ainda hoje, ninguém nesse Brasil se surpreende se uma avó ou uma tia mais idosa nos recomenda um chá para combater isso ou aquilo. Da mesma forma, é comum encontrar nos quintais que ainda são mantidos em casas de todo tipo, pés de ervas medicinais ou usadas na culinária que são poderosos lenitivos para muitos dos nossos males físicos.

Gripes, resfriados, indigestão, azia, reumatismo, nervosismo, insônia, problemas renais ou no fígado e para uma outra infinidade de males, há sempre uma planta, uma raiz, uma poção, um emplastro ou uma garrafada para combater um ou dezenas de males físicos. Mas também há remédios eficazes nesse receituário popular para doenças da alma e da moral. E é aí que começa a nossa história.

Dasso era um negro retinto, muito alto e forte, de cabelos lisos e olhos de um verde profundo. De origem rural e afeito aos desafios de uma vida mantida com o esforço de todos de sua família e comprometida com os frutos que a terra nos oferece, era o mais novo de seus oito irmãos. No povoado de Martinésia sua gente produzia um pouco de tudo o que precisava para sobreviver. Até mesmo suas roupas saiam do algodão plantado no pequeno sítio e transformado por dois teares em no tecido, num delicado trabalho de dona Ordália, matriarca do clã.

Acometido por um difruço, nome que na época designava um estado gripal mais forte, Dasso foi com a mãe à casa de dona Perciliana na busca de uma orientação sobre as ervas que deveriam ser usadas para combater aquela situação.  Perciliana era uma espécie de curandeira local.

Do alto de seus quase 90 anos mantinha, além de privilegiada memória, um quintal coalhado de ervas e plantas usadas em todo tipo de necessidade física. Era ainda, benzedeira afamada e por isso mesmo era sempre visitada por uma legião de pessoas de todos os cantos, em busca de seus remédios e orações. E foi justamente nesse dia e na casa de dona Perciliana que os olhos verdes de Dasso encontraram com os olhos azuis da menina Dulce, filha do seu Sebastião, motorista de praça, e de dona Ida, uma italiana grande e generosa. O amor entre Dasso e Dulce foi instantâneo e com a força de fogo no morro acima.

As diferenças entre ambos eram notórias. Dulce, embora doce e recatada, se mostrava sempre solícita a uma boa prosa. A aluna do Lyceu de Monte Carmelo sonhava ser professora. Era muito prendada e falava italiano, inglês e francês com a mesma fluência em que usava um português castiço. E mais, gostava de música clássica, tocava flauta e tinha em Camilo Castelo Branco seu autor de cabeceiras.

Dasso, ao contrário, era analfabeto, tímido e não sabia como se comportar num lugar qualquer, sem que sua mãe, seu pai ou um de seus irmãos mais velhos lhe indicasse o que fazer em qualquer situação. E foi do coração desavisado desse moço simples que Dulce se apossou com todo o seu encanto e devoção.

E foi ela quem buscou chamar a atenção do amado, que mesmo traído pelo novo sentimento não sabia como se colocar diante de tal circunstância. E tomado de um receio que não se explicava, ele se recolheu na sua pequenez diante de um sentimento tão grande, motivado por alguém tão especial. E vivamente ferido por amor, Dasso não teve coragem de trocar uma só palavra com a sua musa. Nem mesmo disse o seu nome quando perguntado. Só não negou um leve sorriso de alegria quando Dulce se aproximou dele, ainda que por breve instante.

De volta para casa, o difruço parecia ter sido tragado pelo vento do corpo de Dasso. O que lhe consumia agora era um outro tipo de desassossego que teimava em lhe mostrar o rosto da mulher amada em qualquer lugar, e uma vontade infinda de reencontrá-la. E lá no íntimo Dasso imaginava-se falando o que sentia, mesmo sem saber ao certo que sentimento era esse.

Nessa busca para conhecer o novo, Dasso se definhou. Parou de comer. Quase não falava. Dormia mal e se consumia num alheamento de dar dó. Benzica, mãe dedicada cuidou de levar o filho novamente à casa de dona Perciliana para uma consulta sobre a nova doença do filho. Nesse espaço de tempo, Dulce também tinha voltado à casa da benzedeira por diversas vezes e sempre perguntando se o moço da roça não tinha voltado ali.

Isso deu à dona Perciliana uma imediata explicação para o que ela viu no quadro de Dasso. Ele estava se consumindo pela paixão. E remédio era se aproximar do seu amor para alcançar a cura. E nesta solução Benzica   considerou ser impossível ao filho, alcançar o remédio para o seu mal.

Dulce, no entanto, alertada pela dona Perciliana, tomou para si a responsabilidade de curar o amado, e com a dedicação de uma futura professora, se aproximou aos poucos do jovem vencendo-lhe o pejo. Dominou-lhe a timidez, ensinou-lhe as primeiras letras e abriu os olhos e a mente daquele jovem para a vida que poucos anos depois, os dois começaram a construir envoltos pela essência do mais puro e verdadeiro amor.


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