Crônica: Minha fabulosa fortuna

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criança sentada com pai em banco de praça
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A cada dia que passa mais me convenço de que sou o homem mais rico do universo. E posso garantir que não há nenhum exagero nessa minha afirmação. E essa minha fortuna, incalculável sob todos os aspectos, gera dividendos que se ampliam na medida em que vou encontrando, vida afora, o alimento para essa dádiva que Deus me concedeu.

 

Também tem isso. Sou profundamente agradecido ao Papai do Céu porque é Dele que veio essa distinção, que me permite apresentar a todos como o magnata que sou. Quanto imagino ter em grana viva? Nada. Sou um duro como qualquer brasileiro de classe média baixa, que tem que ralar todo dia se quiser colocar alguma coisa no bucho. Também não tenho propriedades nem títulos ou ações que possam atestar o lastro da minha fortuna.

 

Porque sou rico? Aliás, porque sou exageradamente trilionário? É porque sou pai de uma criança deficiente. Como se vê, não sou o único nesse time de privilegiados. Somos milhares em todo o mundo a conviver com a graça suprema de ter um filho com limitações de diferentes necessidades, mas verdadeiras fontes de geração do mais puro e verdadeiro amor.

 

Só quem convive com esses seres de luz tão especiais pode referendar o que afirmo e validar a certeza da grande fortuna que Deus me permitiu conquistar. Digo mais: a recompensa por ter um filho deficiente começa exatamente no momento em que essa criança desabrocha para a vida. Todo o cuidado que se deve ter com uma saúde sempre delicada: com um suporte físico e educacional constante só aumentam o retorno em afeto e ensinamentos que um deficiente nos transmite nas suas menores reações.

 

Ao mesmo tempo em que nos desdobramos em cuidados, nos agigantamos em cada conquista de uma pessoa que consegue, ainda que vagamente, superar uma dificuldade física, mental ou cognitiva. O filho deficiente nos torna pai de todas as demais crianças do mundo, deficientes ou não. Passamos a enxergar na geração do amanhã o estuário de paz e bem com que gostaríamos que o planeta se transformasse. Somos cada vez mais estimulados a dar a nossa contribuição, seja ela do tamanho que for, para que a nenhuma criança seja negada a oportunidade de crescer em graça, beleza e inteligência, que somados aos ideais de vida e liberdade, há de torná-las, no futuro que se a vizinha, nos homens e mulheres que construirão o mundo ideal com que sonhamos.

 

É nessa escola de doação plena que também nos identificamos com o próximo. Aprendemos que fazer amizades e se relacionar sem cobranças e sobretudo, sem preconceitos, torna a nossa caminhada pela vida mais prazerosa e agradável. Aguça a nossa visão de mundo e nos torna cada vez mais capazes de sobrepor aos desafios comuns sempre confiantes na nossa capacidade de superação.

 

Num país como o nosso, onde as políticas sociais não passam de utopia, ser pai de um deficiente exige todo o nosso esforço e nos leva ao encontro de outros pais, para que juntos possamos encontrar soluções adequadas aos problemas que desejamos possibilitar que qualquer deficiente supere. A contrapor ao alheamento social onde muitos de nós colocamos os deficientes, estes exalam doses cada vez mais maciças de amor, que aos poucos vão desenhando uma nova chama de esperança em nossos corações, provando a todos que, onde há amor verdadeiro, as barreiras  estão fadadas a desaparecer plenamente.

 

Aproxime-se de um deficiente se você tiver essa disposição, e descubra por si mesmo como é ser milionário de amor e afeto sem medidas.

 


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