Crônica: O adivinhador do Sertão

0
Homem do sertão
Compartilhe

Entre os anos de 1920 e 1970, seu Rufino morava na Fazenda das Rolinhas, bem na beira do Rio Paranaíba, na zona rural da antiga Mateira – hoje, a bela São Simão. Homem alto e forte, com o corpo esculpido na lida do campo e, principalmente pela facilidade de manuseio de precárias ferramentas de trabalho como o arado de arrasto, a serra de dois e outras bugigangas que ajudaram a construir esse país, alimentadas pela força bruta de homens destemidos como o nosso personagem.

E seu Rufino se impunha por duas coisas: a primeira pela força do físico avantajado. A segunda porque sempre tinha uma resposta pronta para qualquer questionamento. A figura rude do homem do campo escondia uma alma apaixonada por livros e uma curiosidade sobre a origem e razão das coisas. Há quem diga que, não fosse o extremo amor dele pela terra, Rufino teria sido um cientista renomado na área que bem entendesse de seguir, se tivesse feito dos livros a sua prioridade.

No fundo mesmo, o que ele mais gostava era de ser desafiado no seu saber para ter a oportunidade de explicar isso ou aquilo para quem quer que fosse. Também adorava um jogo de adivinhas que lhe rendesse alguns goles de cachaça pura e uma galinhada, uma queima de alho ou um péla égua para acomodar o bucho.

Não tardou muito e sua fama de adivinhador atravessou o Paranaíba pros lados de Minas e até de São Paulo. Por conta disso tornaram-se corriqueiros os torneios de adivinha na região, sempre com um sabe-tudo saído de não sei de onde querendo superar Rufino nessas contendas. E também, não raro, a disputa em questão deixou de considerar prêmio as panelas cheias de comida boa e as doses de cachaça, por interessantes somas em cruzeiros (o dinheiro da época). 

Por conta das apostas, Dona Inhá, dedicada esposa de Rufino e mãe de seus 14 filhos lhe advertia sempre:

“_ Cuidado Rufino com essa coisa de sabê tudo, que hora dessa isso vai acabar fedeno”.

Na verdade, ela não questionava a sabedoria do marido, mas temia que algum perdedor de sangue quente pudesse entornar o caldo numa peleja perdida.

Certo dia pela manhã, quando Rufino nem se preparava para dar de comer aos bichos de casa, Zé Rosário chamou esbaforido por ele na cancela do quintal. Levava o desafio que uma caravana de paulistas lhe fazia para um jogo de advinha, com um prêmio em dinheiro muito alto.

Era gente que estava na região aproveitando as belezas e a generosidade da pescaria no inesquecível Canal de São Simão, que anos depois seria engolido pela construção da hidrovia Paraná-Tietê, sepultando em suas águas a antiga Mateira para fazer surgir o atual Simão.

Rufino se pôs pronto e seguiu com o vizinho para o local da competição. Desta vez a coisa foi bem pensada. No ranchão da Igreja já estavam seus seis desafiantes e a quase toda a população de Mateira e região – quase umas 100 pessoas para testemunhar tudo. O que ele não imaginava é que seus adversários havia lhe preparado uma questão que consideravam impossível dele acertar, quando colocaram bostas de vacas e porcos numa lata onde se armazenava banha de porco, arroz pilado, farinha ou açúcar, tão limpa e vistosa era a danada.

Um a um os adversários de Rufino foram sendo derrotados, até que chegou o último que lhe propôs o seguinte advinha: Para que em te dê o de mim esperas, preciso antes dispor do que dás para estar no ponto. O que é o que é?

Rufino coça a cabeça, alisou o bigode. Olha a lata com interesse e como uma de quem está entregando os pontos e perdendo a batalha sentencia>

“_ Bem que minha mulher falô que essa minha adivinhação ainda ia acabar em merda”.

Dizem os mais antigos que a celebração pelo feito incomum foi ouvida claramente nos 26 estados da federação e no Distrito Federal, à época, Rio de Janeiro.


Compartilhe