O Pai de Santo que não era pai de santo
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Quase todas as pessoas que frequentaram o centro de Goiânia nos idos dos anos 60 e 70 conheceram Manoel Lourenço, o Pai de Santo, um sujeito batuta nascido nos confins do então norte de Goiás, mais precisamente da cidade de Almas, bem na entrada do Jalapão, hoje um dos principais polos de atração turística do novíssimo estado do Tocantins.

Homem simples, de gestos largos e sorriso sempre aberto, era semi-alfabetizado e muito bom na lida com plantas, animais domésticos e dono de um bom humor que causava espécie.

O apelido de Pai de Santo lhe fora dado pelo Jeromim, um antigo policial civil que frequentava as rodas matinais do Café Central com a mesma devoção de quem vai a uma missa domingueira. A razão do apelido ninguém nunca soube. Mas Pai de Santo era sempre uma referência positiva no conceito de todo mundo.

Não se podia, porém, entender porque cargas d’água Filostro Amorim, chapista de uma tipografia antiga lá em Campinas, cismou de encomendar um feitiço pro Manoel. O argumento era simples:

“Se ele é Pai de Santo há de me ajudar”. Ponto final. O motivo: Filostro arrastava asas há muito tempo pela Lilica que vez ou outra trabalhava nas cozinhas do Restaurante do Grego ou mesmo do Café Central substituindo um ou outro empregado desses estabelecimentos em ocasiões diversas.

Tratava-se de uma jovem que chamava a atenção pela maneira como se atirava ao trabalho, sempre muito bem disposta e alegre e a capacidade extraordinária de lidar com peso. Há quem diga que ela era capaz de carregar sem esforço um saco de arroz com 60 quilos, apesar de sua aparência frágil.

Amorim não demorou muito a buscar com Manoel a ajuda planejada. E numa conversa sem muita reserva parou o jardineiro na calçada da Rua 7 com a Anhanguera e lascou a suplica:
“Ocê precisa me ajudá a amarra a Lilica no meu coração. Faço o que fô preciso”. Manoel sorriu surpreso com a abordagem, mas como gostava de uma boa história deu corda pro apaixonado;“Só tem um problema. Trabaio que eu fizé num tem que desmancha e se quem pedi alguma coisa e dé pra trais dispois, pode morre sequim, igual talo de chuchu”, observou para o cliente. Mesmo assim, Amorim concordou. Afinal, tudo oque ele queria, era se dar bem com a eleita de seu coração.

Dias depois, conversando com Lilica, Manoel descobriu que a moça também se sentia atraída pelo gráfico, mas recatada como era, aguardava pela abordagem do mesmo, que tímido, nunca se encorajava. Foi aí, então que o Pai de Santo juntou “a fome com a vontade de comer”. Chamou Filostro e pediu que ele lhe trouxesse um ramalhete de rosas vermelhas, um doce de cidra seca do Mercado Central, um vidro do perfume Tabu e uma caixa de Pó de arroz. Tudo isso foi imediatamente compro na primeira venda que Amorim pode encontrar no mercado.

Com os ingredientes em mão, Manoel colocou tudo em uma cesta de vime, cobriu-a com papel celofane vermelho e entregou para Lilica dizendo que Amorim gostaria de convidá-la para um passeio ao zoológico no domingo seguinte. A moça não hesitou em aceitar o convite.

Mas Pai de Santo só contou esse resultado a Amorim, na quinta-feira ante do domingo, e ele ficou eufórico. Entendeu que teria, enfim a oportunidade de abrir seu coração a sua amada e não corria o risco de por tudo a perder, já que encomendar um trabalho para o Pai de Santo.

O fato é que, tempos depois, Filostro e Liliane, ou melhor, Lilica, se casaram. E mesmo com o empenho de Manoel Lourenço em explicar pra todo mundo que não havia feito nada, a não ser criar uma razão para que as duas almas se encontrassem, ninguém duvidava de seus poderes espirituais. E não faltou quem o procurasse para outros trabalhos, aos quais ele recusava dizendo-se assoberbado por outras solicitações.

Pai de Santo, ou melhor, Manoel Lourenço desapareceu de Goiânia. Mas com certeza sua passagem pela nossa capital ainda é sentida por quem teve o privilégio de conhecer aquela alma nobre que mudava o dia de todos apenas com o seu sorriso.


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